O Espírito Santo e o avivamento: uma tentativa de compreender
o movimento avivalista brasileiro (parte I)
Introdução
Vivemos a constante expectativa
de um grande avivamento na igreja brasileira. Há décadas vem sendo apregoado
que Deus tem prometido um grande despertamento espiritual para o Brasil. No
meio pentecostal é comum ouvir “promessas” baseadas em “revelações” de que Deus
irá trazer ao Brasil um “mover” do Espírito de maneira especial.
Nas últimas décadas a igreja
brasileira foi varrida por vários movimentos que garantiam ser o grande
avivamento prometido por Deus. Alguns desses movimentos se mostraram mais
danosos e prejudiciais para a igreja do que abençoadores. Esses movimentos
espirituais trouxeram heresias, divisões, frustrações, desilusões, o descrédito
na igreja e o consequente enfraquecimento da fé.
Muitos desses movimentos de
espiritualidade se basearam em estratégias que “deram certo” em outros lugares
e que foram “importados” sem nenhuma avaliação de seu teor. Essa despreocupação
com o conteúdo teológico é retrado de uma realidade que atesta para a falta de
legitimidade bíblica de tais movimentos. Não se pode conceber a ideia de um
movimento espiritual baseado em experiências pessoais, mesmo que inicialmente
essas experiências sejam verdadeiras. Certamente a Escritura é o único guia
confiável que temos para nos assegurar um verdadeiro movimento espiritual.
“Somente as Escrituras são o nosso guia infalível para o crente e a prática
religiosa.”(EDWARDS, 1993)
Jonathan Edwards é preciso ao nos
alertar de que não podemos lançar dúvidas acerca de ações de Deus, apenas por
que não somos acostumados com essas maneiras de Deus agir. Isso por que Deus,
“já agiu de formas novas e extraordinárias” (EDWARDS, 1993, p. 3). Contudo, o normal é que Deus
se mova dentro das regras que Ele mesmo estabeleceu.
Este artigo tem como objetivo
fazer uma análise da relação do Espírito Santo com o avivamento. É uma
tentativa de compreender essa ação do Espírito que é extraordinária, mas nem
por isso pode ser entendida como improvisada. Entendemos que a Escritura nos
oferece um parâmetro, que nos permite reconhecer um avivamento como um
movimento espiritual que vem da parte de Deus, nos habilitando a reconhecer
quando um movimento é apenas isso, um movimento.
a-
O
contexto de um Avivamento
O avivamento é necessário quando
condições de morte se evidenciam. O ambiente propício ao avivamento é o de
sequidão. As condições ideias para o avivamento são a insatisfação com a
realidade espiritual tanto no nível individual quanto coletivo, e o desejo de
reaproximação de Deus. Isso significa que o avivamento não ocorre por acaso,
mas ele depende de um conjunto de fatores e circunstâncias. Por exemplo, “os
avivamentos do séc. XVI e XVIII vieram a uma igreja moribunda, decadente e
apostata, enquanto que aqueles do séc. XVII e XIX aconteceram numa igreja
sonolenta, apática e indiferente” (EVANS, p. 02).
Este estado letárgico da igreja é
caracterizado por uma tentativa de auto direção. São momentos em que a igreja
procura dar “mais atenção a homens e métodos, o significado e importância da
pessoa e operação do Espírito estão sendo gradativamente diminuídos.” (EVANS, p. 01) A nossa eclesiologia talvez
seja o maior reflexo de nossa grande necessidade de avivamento. Quando nossa
eclesiologia falha é por que de alguma maneira temos reduzido a importância e a
relevância da pessoa e obra do Espírito.
Quando lemos o que se passava na
igreja americana no período que antecedeu o grande avivamento no séc. XVII
encontramos a clara evidência da maneira como a má eclesiologia interfere na
saúde espiritual do povo de Deus.
“O pano de fundo teológico do avivamento do
séc. XVII é marcado por apostasia evidente, descaso com a participação na mesa
do Senhor com membros inconversos participando da ceia do Senhor, a necessidade
de regeneração e fé salvadora não eram enfatizados e uma forte ênfase no
antropocentrismo arminiano, além das influencias deístas, racionalistas e
moralistas.” (EVANS,
pp. 03–4)
b-
O
movimento avivalista brasileiro
Analisar o movimento avivalista
brasileiro é uma tarefa de dimensões extremas. O que se pretende nessa etapa de
nosso trabalho é levantar alguns eventos bem definidos do que acontece no meio
das igrejas e que são comumente reconhecidos como sinais de avivamento.
O movimento de avivamento no meio
evangélico brasileiro é em geral associado com as seguintes ênfases:
a. Forte
ênfase no Emocionalismo
O movimento de avivamento que
presenciamos em igrejas no Brasil está muito associado ao emocionalismo.
Encontramos em Lloyd-Jones uma definição bem sólida de emocionalismo, para ele:
“Emocionalismo
é um estado e uma condição em que as emoções estão descontroladas. As emoções
estão no controle. Estão numa espécie de êxtase. E se emocionalismo é ruim,
muito pior é a tentativa deliberada de produzi-lo. Portanto, qualquer esforço
que deliberadamente tenta estimular as emoções, seja através de cânticos, ou
fórmulas, ou qualquer outra coisa, ou, como vemos nos povos primitivos, através
de danças e coisas assim – tudo isso, naturalmente é condenado pelo Novo
Testamento. Jogar com as emoções é errado. É algo que é condenado através da
Bíblia toda. As emoções devem ser constatadas através da compreensão, através
da mente, da verdade. E qualquer assalto direto sobre as emoções é,
necessariamente falso e inevitavelmente resultará em problemas” (LLOYD-JONES, 1992, p. 79)
Emocionalismo é a perda do
controle das emoções, uma ênfase no sentimentalismo, onde o que importa é o que
se sente. A racionalidade passa a ser entendida como manifestação da carne.
Alguém que expresse qualquer tipo de manifestação emocional será considerado
cheio do Espírito.
De fato não podemos negar que a
emoção faça parte de nossa manifestação de fé.
Jonathan Edwards (EDWARDS, 1993) ressalta a importância das
emoções na verdadeira religião, para ele a religião que Deus requer de nós não
pode ser sem brilho, sem vida, apática. A escritura nos exorta a sermos
fervorosos de espírito. O problema está em tentar manipular as emoções. É um erro rejeitar as emoções espirituais
como se não houvesse nada de sólido nelas. (EDWARDS, 1993)
O uso das emoções de forma
correta aponta para o verdadeiro avivamento. Não podemos negar que nos
movimentos de avivamento genuínos houve uso da emoção. Certamente o que não
ocorria era o uso do emocionalismo.
O conselho de Edwards é que não
haja nem a rejeição e nem a valorização das emoções, mas sim a diferenciação,
isso por que:
Por um lado, a existência de
emoções religiosas em altíssimo grau não é necessariamente um sinal de
fanatismo... E por outro lado, o fato de nossas emoções serem fortes e vivas
não prova que seja verdadeiramente espiritual em sua natureza. (EDWARDS,
1993 p. 26)
b. Forte
ênfase nos dons, especialmente os estáticos.
Desde 1950 se apregoa que o Brasil esteja
vivendo um avivamento. Em alguns momentos esse avivamento é reconhecido como
movimento de renovação espiritual.
Esse avivamento sofreu
influências de várias avivalistas, tais como, J. Edwin Orr, Raymond Boatright,
Roy Hession, que visitaram o Brasil nas décadas de 50 e 60. O que esses
pregadores do avivamento trouxeram em comum foi a mensagem do batismo com o
Espírito Santo como uma segunda experiência e a manifestação dos dons
espirituais.
O movimento de avivamento no
Brasil é calçado no “entendimento de que Deus teria visitado a igreja
brasileira na década de 60, batizando com o Espírito Santo e renovando os dons
carismáticos.” (MATTOS, 2006, p. 22).
O que vemos hoje é exatamente o
reflexo dessa raiz histórica. A ideia que se propaga nas igrejas, especialmente
no ala pentecostal, é que a manifestação do Espírito só é real e vivificadora
se houver o batismo seguido do falar em outras línguas e a manifestação de
dons, especialmente cura, milagres e revelação.
c. Forte
ênfase na experiência religiosa
Por vezes estamos tão ocupados e
comprometidos com as atividades do reino que nos esquecemos de viver de acordo
com o reino. Existe um pensamento de que quanto mais alguém esteja envolvido
com a obra de Deus, mais espiritual essa pessoa é.
“A experiência espiritual não
pode fornecer nenhuma base para instrução, pois tal experiência repousa sobre o
que se passou em nossa própria alma.” (KUYPER, 2010, p. 44). Essa tendência que
encontramos é vista com muita frequência e ela assume o papel de escritura. O
valor da experiência é equiparado e em alguns casos sobrepõe o valor normativo
da Palavra de Deus. É nesse sentido que a advertência de Kuyper deveria ser
ouvida ainda em nossos dias, pois segundo ele;
“Em decorrência disto, a experiência humana
pode ser ouvida, atestando o que os lábios confessaram, até mesmo dando uma
passada de olhos nos abençoados ministérios do Espírito, que são indizíveis, e
dos quais as Escrituras, portanto não falam. Mas não podemos basear nela
(experiência) para dar instrução a outros” (KUYPER,
2010, p. 44)
c-
Definições
de avivamento
Avivamento é um conceito de
difícil definição. Para Héber Campos (1996, p. 45) “uma definição de
reavivamento pode ter muitas conotações, dependendo do ângulo abordado”. Seguramente a melhor maneira de abrangermos
esse conceito é a partir da compreensão dos termos usados na Escritura, que
certamente nos lançará luzes sobre esse conceito.
·
O uso do termo “avivamento” no Antigo Testamento
O verbo hyh num sentido geral é traduzido como “sustentar a vida” ou “estar
vivo”. Quando usado no piel o verbo ganha intensidade, passa a ter uma ação
ativa. Por 55 vezes o verbo é usado nesse tempo, dando assim ao avivamento a
indicação de uma obra ativa de Deus em trazer, manter e sustentar a vida. No
contexto de Habacuque o verbo hyh, ganha
essa dimensão. Ao ver a realidade eminente do juízo de Deus sobre Israel, o
profeta ora para que Deus “avive” a sua obra. O avivamento, portanto implica em
Deus purificar, livrar e corrigir o seu povo. Lloyd-Jones (1995, p. 35) destaca que na história dos
avivamentos se percebe claramente a ação de Deus purificando a igreja e
retirando dela a escória do pecado. O avivamento é sinônimo de santificação operada
por Deus quando o seu povo está imerso em pecados.
Num primeiro momento o avivamento
é exclusivo da igreja, mas seus efeitos transcendem o povo de Deus. O não
cristão receberá os efeitos e as consequências do despertamento do povo de
Deus. Héber Campos (...) define o
reavivamento como “o movimento de Deus no meio do seu povo, mas que tem um
impacto extremamente positivo na comunidade onde o povo de Deus vive”.
Compreendido dessa maneira o
avivamento é algo que parte de Deus. O homem não pode provocá-lo, ao cristão
cabe desejá-lo, nunca promovê-lo. Além disso, fica pressuposto que o avivamento
é uma ação que é restrita ao povo de Deus. Ninguém pode ser renovado naquilo
que não possuiu antes. Assim entende Lloyd-Jones:
É uma experiência na vida da Igreja quando o Espírito Santo realiza uma
obra incomum. Ele a realiza, primeiramente, entre os membros da Igreja: é um
reviver dos crentes. Não se pode reviver algo que nunca teve vida; assim, por
definição, o avivamento é primeiramente uma vivificação, um revigoramento, um
despertamento de membros de igreja que se acham letárgicos, dormentes, quase
moribundos. (LLOYD-JONES,
1993, p. 15-6)
·
O uso do termo “avivamento” no Novo Testamento
Três palavras em especial são
usadas no Novo Testamento para descrever o avivamento. A primeira é anazōpureō, que aparece apenas uma vez no Novo Testamento, em 2 Timóteo
1.6, mas encontramos na LXX o uso dessa palavra em Genesis 45.27, com o sentido
de reavivar o coração. Nesse texto Jacó tem o seu espírito reanimado quando
recebe notícias de José. Em ambos os textos o verbo anazōpureō, é usado em contraste com um estado anterior de
desânimo ou de medo.
Paulo está aconselhando Timóteo a reviver seu espírito
ante as dificuldades que o ministério impunha. Não se pode com isso supor que
Timóteo tenha deixado extinguir o Espírito. A ideia parece ser, como alega John
Stott (1989, p. 21), é “atiçar o fogo
interior”. O avivamento no Novo Testamento tem essa relação com o poder do
Espírito de conservar ativo o dom, assoprando a brasa que ainda não se apagou,
mas que se não for energizada poderá perder seu fulgor.
A segunda palavra no Novo Testamento que descreve o
avivamento é anathallō. (Filipenses
4.10). Essa é uma palavra que Paulo tira da natureza. O verbo descreve a planta
que brota, que floresce novamente.
A terceira palavra utilizada no
Novo Testamento é zōopoieō, cujo significado é “vivificar”. Esse conceito advém do Antigo Testamento. Os
salmos exploram com abundancia esse tema.
Avivamento é uma ação de Deus por
meio do seu Espírito para vivificar sua igreja, despertando-a da apatia que o
pecado produz, de forma que sua vida se torne instrumento na propagação de Sua
glória. Por meio do avivamento Deus revitaliza a vida que um dia existiu em sua
igreja.
Bibliografia
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EVANS, E. Reavivamentos:
Sua origem, progresso e realizações. São Paulo - SP: PES, .
KUYPER, A. A
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Os Puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo - SP: PES, 1993.
LLOYD-JONES, D. M.
Estudos no livro de Habacuque. 5a ed. São Paulo - SP: Editora
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MATTOS, L. R. F.
DE. Jonathan Edwards e o avivamento brasileiro. 1a Edição
ed.São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2006.
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STOTT, J. R. W. A
Mensagem de Romanos. 1a ed. São Paulo - SP: ABU, 2000.
Um comentário:
Realmente eu escuto esse negócio de avivamento faz umas duas décadas.
Avivamento da garotada, isso sim.
Abraços!
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