quarta-feira, 9 de setembro de 2015




O Espírito Santo e o avivamento: uma tentativa de compreender o movimento avivalista brasileiro (parte II)



I-                   A relação do Espírito Santo com o avivamento

a.      Espírito Santo como agente vivificador de toda a obra de Deus
                                                                          i.      O Espírito Santo é aquele que gera vida
A obra do Espírito é mais ampla do que normalmente temos ensinado. O Pai e o Filho conectam-se à criação por meio do Espírito. Na obra da criação a atividade do Espírito Santo é intimamente relacionada à obra do Pai e à do Filho, como afirma Kuyper,
“A obra do Espírito é intimamente ligada à do Pai e à do Filho, de modo que em todas as coisas, todo o homem e todos os talentos se originam no Pai, são dispostos em sua respectiva natureza através do Filho e recebem a centelha da vida pelo Espírito Santo”(KUYPER, 2010, p. 81)
Uma das maneiras como o Espírito conecta o Pai e o Filho com a criação é pela vivificação da criação. Enquanto o Espírito não atua a vida não pode ser manifesta. É por meio Dele que Adão deixa de ser pó e passa a ser alma vivente. “A obra do Espírito em cada criatura consiste, na vivificação e manutenção da vida com referência à sua existência e aos talentos, e, em seu sentido mais elevado, com referência à vida eterna, que é sua salvação” (KUYPER, 2010, p. 81).
O Espírito age como vivificador tanto na criação natural, quanto na recriação ou regeneração do homem. É o Espírito que na regeneração “acende a centelha da vida eterna” (KUYPER, 2010, p. 82)é o mesmo que na vida natural acendeu e sustentou a centelha.
O Espírito Santo é o doador da vida, da ordem, da organização. Ele desce sobre o caos e implanta ordem. “Mas independentemente das diferenças de escala de operação e de energia o Espírito Santo permanece na criação e recriação, o executor onipotente de toda a vida e vivificação, e é, portanto digno de todo nosso louvor e adoração.” (KUYPER, 2010, p. 82)
                                                                        ii.      O Espírito Santo é aquele que regenera o homem em seu estado de morto
Não se pode entender a regeneração num conceito reducionista de restaurar a uma forma anterior. Para Kuyper (2010, p. 83) “a graça de Deus não cria alguma coisa inerentemente nova, mas uma nova vida numa natureza velha e degradada.”
Regeneração nos remete ao “ato de Deus vivificar, que é o primeiro ato pelo qual Deus nos transporta da morte para a vida, do reino das trevas, para o reino do seu amado filho” (KUYPER, 2010, p. 312)
A regeneração é o primeiro ato no processo da salvação. Ela ocorre no momento em que Deus “se aproxima de uma pessoa nascida na iniquidade e morta em seus delitos e pecados e planta o princípio de uma nova vida espiritual.” (KUYPER, 2010, p. 312)
A ação regeneradora do Espírito implica em bem mais do que reconstruir o que o pecado destruiu, se assim entendermos o homem regenerado seria restituído a um tipo de vida pré queda, por que a “graça não transporta o ímpio para um estado de retidão, ela o justifica” (KUYPER, 2010, p. 84). O redimido não participa da natureza de Adão em seu estado de pré queda, mas sim, da natureza de Jesus, portanto, “o ímpio, quando justificado pela graça, nada tem a ver com o estado de Adão antes da queda, mas ocupa a posição de Jesus depois da ressureição.” (KUYPER, 2010, p. 84)
b.      O Espírito Santo como dinamizador da obra de Cristo
                                                                          i.      O derramamento do Espírito capacitou a igreja a cumprir a missão de Cristo
Muitos cristãos creem que a manifestação do Espírito Santo está restrita ao Novo Testamento. Mas como afirma Kuyper (2010, p. 147) “embora o Espírito estivesse atuante na antiga aliança, Ele só fora manifestado à igreja após a ascensão de Jesus, até então Ele é o Espírito aguardado.”
No Antigo Testamento a ação do Espírito Santo era para capacitar temporariamente os servos de Deus, (Ex 31.1-11; Ag 2.1-5; Zc 4.1-7). Essa capacitação especial do Espírito era específica para reis, sacerdotes e profetas. A habitação do Espírito no Antigo Testamento era diferente não no aspecto soteriológico, pois é impossível a regeneração sem a operação do Espírito, a diferença está no aspecto missiológico.
Os profetas (Is. 32.14 -16; Ez 11. 16,19-20; 36. 25-27,29,32; Zc 12.10) apontavam para um evento futuro em que o Espírito seria derramado de forma permanente. Dentre eles o profeta Joel (2.28) anuncia o derramamento do Espírito sobre toda a carne, de forma que aquilo que antes fora restrito a reis, profetas e sacerdotes agora será partilhado a todos, formando uma nação de sacerdotes reais.
“Essas profecias são evidências da convicção profética do Antigo Testamento de que a dispensação do Espírito Santo naqueles dias era excessivamente imperfeita, de que a dispensação real do Espírito Santo ainda estava por vir e de que somente nos dias do Messias ela viria em toda a sua plenitude e glória.” (KUYPER, 2010, p. 147)
O episódio do pentecoste é a concretização histórica daquilo que os profetas falaram. Os eventos que ocorreram naquele dia foram interpretados por Pedro como sendo o cumprimento da profecia de Joel. Naquele dia o Espírito foi derramado “sobre” a igreja, como uma dádiva divina, certamente para enfatizar mais o doador do que os receptores. “Por essa razão não se pode duvidar de que as Escrituras Sagradas tencionavam nos ensinar e convencer de que o derramamento do Espírito Santo no pentecoste foi a sua primeira e real vinda à igreja.”(KUYPER, 2010, p. 148).
Bruner (1986, pp. 128–9)  entende que o ministério de Jesus, pós ressurreição é realizado por meio intermédio do Espírito Santo. O que segundo ele torna a obra do Espirito uma extensão do ministério iniciado por Jesus, e agora continuado por ele, e os atos dos apóstolos são o fruto e a expressão desse ministério. O que Jesus começou em carne humana, agora é sequenciado por intermédio do Espírito através da igreja.

II-                A operação do Espírito Santo no Avivamento
Seria, certamente muita pretensão deste articulista fechar uma lista de operações do Espírito Santo em um avivamento. O que se pretende neste tópico é tão somente analisar alguns princípios que nos apontem para evidencias seguras de uma operação do Espírito Santo em um avivamento.
a.      Traz profunda convicção do pecado
Esta operação foi percebida por Jonathan Edwards no avivamento de 1735. “Naquele ambiente avivalista, [...] o pecado veio a ser entendido não só como um comportamento social inconveniente, mas um estado de rebelião contra Deus.” (MATTOS, 2006, p. 164). A ação santificadora do Espírito é notada quando sua presença é ativa no meio do povo de Deus. É ele que nos convence do juízo, da justiça e do pecado. (João 16.8).
O fenômeno que ocorreu em 1735 e observado por Edwards de que “em todas as conversões podia-se observar esse ponto comum: as pessoas se tornavam claramente conscientes da sua deplorável condição de pecadoras.” (MATTOS, 2006, p. 164) é claramente uma ação do Espírito. Nenhum pecador pode reconhecer-se nessa situação a não ser que do alto ele seja convencido.
Um avivamento em que as pessoas não se arrependam de seus pecados não pode ser originado pelo Espírito de Deus. O pecado causa separação de Deus, produz morte e é fétido às narinas de Deus.
“Edwards registra que algumas pessoas (foram) levadas a essa convicção por um grande senso de sua pecaminosidade em geral, de que (eram) criaturas tão vis e ímpias em seu coração e vida; outros (tiveram) colocados diante de si os pecados de sua vida de maneira extraordinária, multidões dos mesmos retornando novamente à sua memória e sendo colocados diante deles com os seus agravantes.” (MATTOS, 2006, p. 164).
A presença santa e santificadora do Espírito deve provocar naqueles a quem ele vivifica um anseio por pureza.  Uma das razões que levam pecadores a procurarem purificarem-se de seus maus caminhos é o temor pela ira de Deus. Jonathan Edwards reconhece que foi essa “profunda consciência da ira de Deus em relação ao pecado produziu um clamor geral os convertidos como consequência de seu senso pessoal de culpa.” (MATTOS, 2006, p. 164).
b.      Traz retorno às Escrituras
O uso das Escrituras é fundamental para que o avivamento seja sólido e autêntico e não seja tomado pelo fanatismo religioso. Shedd (SHEDD, 2004) observa que essa foi a grande marca do avivamento de 1907 na Coréia. “A forma como um avivamento inicia-se é variável, mas parece que a pregação foi fator primordial em cada um deles.” (EVANS, p. 13)A linha que separa a ação de Deus e o fanatismo religioso nem sempre é perceptível. É necessário que se estabeleça um parâmetro confiável, que nesse caso só pode ser a Escritura.
 “A visita de Jonathan Edwards a Enfield foi o começo do reavivamento que se espalhou por uma grande área. Naquela ocasião, 8 de julho de 1741, ele pregou sobre “pecadores nas mãos de um Deus irado” baseando suas observações em Deuteronômio 32.35.” (EVANS, p. 18)
Nos momentos de avivamento a fome e a sede pela Escritura se intensifica, por que é papel do Espírito Santo revelar o Filho, o verbo encarnado. “Visto que Ele deu a Palavra e iluminou a igreja, que Ele falou mais sobre o Pai e sobre o Filho do que de si mesmo [...] ele tinha de revelar o Pai e o Filho, antes que pudesse nos conduzir a uma comunhão mais íntima consigo mesmo.” (KUYPER, 2010, p. 47)
No avivamento de 1735 Edwards percebeu que a Palavra de Deus “tornou-se mais valorizada e sua pregação desejada de modo especial” (MATTOS, 2006, p. 165) Esse fenômeno acontece por que a Escritura atua eficazmente na mente do homem que tem a sua mente regenerada pelo Espírito Santo.  “A leitura das Escrituras conduz a nossa mente à esfera dos pensamentos divinos na medida certa para que nós, como pecadores, possamos glorificar a Deus, amar o próximo e salvar a nossa alma.” (KUYPER, 2010, p. 92).
O avivamento acaba com o descaso em relação ao ensino da Escritura. No avivamento há fome e sede pela Palavra de Deus. Algo que foi marcante em todos os avivamentos do passado foi a comunicação Palavra de Deus. No avivamento de 1735 houve fome e sede da Palavra, “cada ouvinte estava ávido em sorver as palavras do ministro à medida que saiam de sua boca.” (MATTOS, 2006, p. 165)O que torna a Palavra de Deus ativa é a ação de Deus. Como afirma Sheed (2004, p. 33) “sem essa operação especial de Deus, o ensino e a leitura da Bíblia se tornam rotineiras”.
Pedro faz uma exortação aos cristãos no sentido de se despirem de tudo aquilo que possa impedir a Palavra de Deus de ter seu efeito em nós. (1 Pedro 2.1-2). Esses pecados mencionados por Pedro prejudicam a eficácia da Palavra de Deus em nós, juntos eles prejudicam o nosso aproveitamento da palavra de Deus.
O cristão regenerado deve ter um desejo continuo pela Palavra de Deus. Uma nova vida requer uma alimentação adequada. O desejo pela Palavra é para que cresçam na graça e no conhecimento do nosso Senhor e Salvador (1 Pe 3.18). A Palavra de Deus não deixa o homem como o encontrou, mas opera nele transformações e o torna cada vez melhor.
Consequentemente, para conhecimento do assunto devemos retornar para aquela extraordinária Palavra de Deus, que, como um mistério dos mistérios ainda repousa incompreendida pela igreja, aparentemente inerte como pedra, mas uma pedra que faísca fogo. Quem porventura ainda não viu suas centelhas cintilantes? Onde está o filho de Deus cujo coração não foi inflamado pelo fogo dessa palavra?” (KUYPER, 2010, p. 45)
Aquele que se alimenta ininterruptamente da palavra de Deus cresce continuamente para a salvação.
c.       Amor sincero e leal a Deus
Paulo nos escreve que o amor de Deus é derramado em nós por meio do Espírito (Rm 5.5). “Um dos ministérios distintivos do Espírito Santo é derramar o amor de Deus em nossos corações.”(STOTT, 2000, p. 165). Esta é a primeira vez que se faz menção na epístola aos romanos da obra do Espírito na vida do eleito de Deus. É parte da operação do Espírito comunicar-nos o amor do Pai, neste tempo e no vindouro, pois:
 “Quando não houver mais pecado para ser expiado nem qualquer profundidade para ser santificada, quando todos os eleitos estiverem rejubilando diante do trono, mesmo então o Espírito Santo deverá realizar a obra divina de manter o Amor de Deus ativamente habitando em nosso coração.” (KUYPER, 2010, p. 526)
Neste ministério o Espírito atua em duas vias. Por um lado ele “proporciona-nos a consciência profunda e refrescante de que Deus nos ama”(STOTT, 2000, p. 165), e por outro lado Ele opera em nós o quebrantamento que o amor de Deus manifesto e derramado em nossos corações deve proporcionar, pois como pondera Calvino “o que Paulo nos ensina aqui [Rm 5.5] é que a genuína fonte de todo [nosso] amor está na convicção que os crentes nutrem do amor de Deus por eles” (2001, p. 186). Por que cremos e compreendemos o amor de Deus nos entregamos a esse amor. O amor de Deus é retroalimentado, quanto mais conheço o seu amor, mais eu o amo.
Quando opera um avivamento, o Espírito Santo reaviva nos corações o amor de Deus que fora derramado. Nos relembra da maravilhosa graça de Deus, manifesta na pessoa de Jesus entregue por amor de cada um de nós e nos constrange a amá-lo. Kuyper (2010, p. 526) argumenta que a vida espiritual é fruto de uma bendita união com o Pai e o Filho, num elo de amor mútuo. Esta é uma obra do Espirito, pois é Ele que entra em nossos corações realiza, aperfeiçoa e torna essa união com o Pai e com o Filho verdadeira.
É quase desconhecido de nós essa ação genuína e real do Espírito de manter em nosso coração a convicção do amor de Deus por nós. Por toda a nossa vida Ele agirá para remover de nós os obstáculos que o pecado coloca em nossa relação com o Pai, e o que restar na morte, Ele completará, de modo que pela obra do Espírito em nós poderemos manifestar o nosso amor leal e sincero a Deus.
d.      Imitação do caráter de Cristo
Quando Deus derrama o seu Espírito para avivar sua obra, a própria natureza de Deus é perceptível nos seus filhos. Não podemos conceber a ideia de um avivamento em que não seja visível a imitação do caráter de Cristo, por parte daqueles que foram visitados pelo Espírito. Um avivamento deve trazer como marca “a presença de uma nova natureza” (MATTOS, 2006, p. 173). É essa transformação de caráter que nos assegura a plena manifestação de Deus em meio do seu povo.
Por meio da operação do Espírito em nossa regeneração fomos feitos novo homem, segundo a imagem de Jesus Cristo (Ef 4.20-22). Como assegura Kuyper (2010, p. 339) “a ideia de que o homem pode ter vida fora da união mística com o Emanuel não passa de uma ficção da imaginação”.
Pelo Espírito fomos unidos a Cristo. Aquele que não está ligado ao Filho é como o galho que não permanece na videira, seca e será queimado (João 15.6). essa união com Cristo não é “efetuada pela instilação de um extrato de vida divino-humana na alma”(KUYPER, 2010, p. 349), mas pela nossa participação na natureza divina (2 Pe 1.4), na medida em que somos restaurados à semelhança que da natureza que perdemos por causa do pecado.
O que se espera num avivamento é que a presença de Cristo seja percebida na vida daqueles que foram unidos a Ele. As atitudes de Jesus devem ser vistas na vida das pessoas, o comportamento de Jesus deve ser reproduzido, a obediência, a humildade e o compromisso de Jesus devem práticas naturais na vida daqueles que se uniram a Ele. Isso é obra do Espírito na vida normal do povo de Deus, mas que se evidencia em tempos de avivamento, pois a perda dessa semelhança com o Senhor Jesus por si só caracteriza a necessidade do avivamento.


Bibliografia

BRUNER, F. D. Teologia do Espírito Santo. 2a ed. São Paulo - SP: Editora Vida Nova, 1986.
CALVINO, J. Romanos. 2a Edição ed.São Paulo - SP: Edições Parakletos, 2001.
CAMPOS, H. C. DE. Crescimento da Igreja: com reforma ou com reavivamento? Fides Reformata, v. Vol I, No1, 1996. São Paulo - SP.
EDWARDS, J. A genuína experiencia espiritual. 1a ed. São Paulo - SP: PES, 1993.
EVANS, E. Reavivamentos: Sua origem, progresso e realizações. São Paulo - SP: PES, .
KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. 1a ed. São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2010.
LLOYD-JONES, D. M. Avivamento. 1a ed. São Paulo - SP: PES, 1992.
LLOYD-JONES, D. M. Os Puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo - SP: PES, 1993.
LLOYD-JONES, D. M. Estudos no livro de Habacuque. 5a ed. São Paulo - SP: Editora Vida, 1995.
MATTOS, L. R. F. DE. Jonathan Edwards e o avivamento brasileiro. 1a Edição ed.São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2006.
SHEDD, R. P. Avivamento e Renovação: em busca do poder transformador de Deus. São Paulo - SP: Shedd Publicações, 2004.
STOTT, J. R. W. A mensagem de 2 Timóteo. 3a ed. São Paulo - SP: ABU, 1989.


STOTT, J. R. W. A Mensagem de Romanos. 1a ed. São Paulo - SP: ABU, 2000.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Espírito Santo e o avivamento: uma tentativa de compreender o movimento avivalista brasileiro (parte I)

Introdução

Vivemos a constante expectativa de um grande avivamento na igreja brasileira. Há décadas vem sendo apregoado que Deus tem prometido um grande despertamento espiritual para o Brasil. No meio pentecostal é comum ouvir “promessas” baseadas em “revelações” de que Deus irá trazer ao Brasil um “mover” do Espírito de maneira especial.
Nas últimas décadas a igreja brasileira foi varrida por vários movimentos que garantiam ser o grande avivamento prometido por Deus. Alguns desses movimentos se mostraram mais danosos e prejudiciais para a igreja do que abençoadores. Esses movimentos espirituais trouxeram heresias, divisões, frustrações, desilusões, o descrédito na igreja e o consequente enfraquecimento da fé.
Muitos desses movimentos de espiritualidade se basearam em estratégias que “deram certo” em outros lugares e que foram “importados” sem nenhuma avaliação de seu teor. Essa despreocupação com o conteúdo teológico é retrado de uma realidade que atesta para a falta de legitimidade bíblica de tais movimentos. Não se pode conceber a ideia de um movimento espiritual baseado em experiências pessoais, mesmo que inicialmente essas experiências sejam verdadeiras. Certamente a Escritura é o único guia confiável que temos para nos assegurar um verdadeiro movimento espiritual. “Somente as Escrituras são o nosso guia infalível para o crente e a prática religiosa.”(EDWARDS, 1993)
Jonathan Edwards é preciso ao nos alertar de que não podemos lançar dúvidas acerca de ações de Deus, apenas por que não somos acostumados com essas maneiras de Deus agir. Isso por que Deus, “já agiu de formas novas e extraordinárias” (EDWARDS, 1993, p. 3). Contudo, o normal é que Deus se mova dentro das regras que Ele mesmo estabeleceu.
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da relação do Espírito Santo com o avivamento. É uma tentativa de compreender essa ação do Espírito que é extraordinária, mas nem por isso pode ser entendida como improvisada. Entendemos que a Escritura nos oferece um parâmetro, que nos permite reconhecer um avivamento como um movimento espiritual que vem da parte de Deus, nos habilitando a reconhecer quando um movimento é apenas isso, um movimento.
a-      O contexto de um Avivamento
O avivamento é necessário quando condições de morte se evidenciam. O ambiente propício ao avivamento é o de sequidão. As condições ideias para o avivamento são a insatisfação com a realidade espiritual tanto no nível individual quanto coletivo, e o desejo de reaproximação de Deus. Isso significa que o avivamento não ocorre por acaso, mas ele depende de um conjunto de fatores e circunstâncias. Por exemplo, “os avivamentos do séc. XVI e XVIII vieram a uma igreja moribunda, decadente e apostata, enquanto que aqueles do séc. XVII e XIX aconteceram numa igreja sonolenta, apática e indiferente” (EVANS, p. 02).
Este estado letárgico da igreja é caracterizado por uma tentativa de auto direção. São momentos em que a igreja procura dar “mais atenção a homens e métodos, o significado e importância da pessoa e operação do Espírito estão sendo gradativamente diminuídos.” (EVANS, p. 01) A nossa eclesiologia talvez seja o maior reflexo de nossa grande necessidade de avivamento. Quando nossa eclesiologia falha é por que de alguma maneira temos reduzido a importância e a relevância da pessoa e obra do Espírito.
Quando lemos o que se passava na igreja americana no período que antecedeu o grande avivamento no séc. XVII encontramos a clara evidência da maneira como a má eclesiologia interfere na saúde espiritual do povo de Deus.
 “O pano de fundo teológico do avivamento do séc. XVII é marcado por apostasia evidente, descaso com a participação na mesa do Senhor com membros inconversos  participando da ceia do Senhor, a necessidade de regeneração e fé salvadora não eram enfatizados e uma forte ênfase no antropocentrismo arminiano, além das influencias deístas, racionalistas e moralistas.”  (EVANS, pp. 03–4)

b-     O movimento avivalista brasileiro
Analisar o movimento avivalista brasileiro é uma tarefa de dimensões extremas. O que se pretende nessa etapa de nosso trabalho é levantar alguns eventos bem definidos do que acontece no meio das igrejas e que são comumente reconhecidos como sinais de avivamento.
O movimento de avivamento no meio evangélico brasileiro é em geral associado com as seguintes ênfases:
a.       Forte ênfase no Emocionalismo
O movimento de avivamento que presenciamos em igrejas no Brasil está muito associado ao emocionalismo. Encontramos em Lloyd-Jones uma definição bem sólida de emocionalismo, para ele:
“Emocionalismo é um estado e uma condição em que as emoções estão descontroladas. As emoções estão no controle. Estão numa espécie de êxtase. E se emocionalismo é ruim, muito pior é a tentativa deliberada de produzi-lo. Portanto, qualquer esforço que deliberadamente tenta estimular as emoções, seja através de cânticos, ou fórmulas, ou qualquer outra coisa, ou, como vemos nos povos primitivos, através de danças e coisas assim – tudo isso, naturalmente é condenado pelo Novo Testamento. Jogar com as emoções é errado. É algo que é condenado através da Bíblia toda. As emoções devem ser constatadas através da compreensão, através da mente, da verdade. E qualquer assalto direto sobre as emoções é, necessariamente falso e inevitavelmente resultará em problemas” (LLOYD-JONES, 1992, p. 79)
Emocionalismo é a perda do controle das emoções, uma ênfase no sentimentalismo, onde o que importa é o que se sente. A racionalidade passa a ser entendida como manifestação da carne. Alguém que expresse qualquer tipo de manifestação emocional será considerado cheio do Espírito.
De fato não podemos negar que a emoção faça parte de nossa manifestação de fé.  Jonathan Edwards (EDWARDS, 1993) ressalta a importância das emoções na verdadeira religião, para ele a religião que Deus requer de nós não pode ser sem brilho, sem vida, apática. A escritura nos exorta a sermos fervorosos de espírito. O problema está em tentar manipular as emoções. É um erro rejeitar as emoções espirituais como se não houvesse nada de sólido nelas. (EDWARDS, 1993)
O uso das emoções de forma correta aponta para o verdadeiro avivamento. Não podemos negar que nos movimentos de avivamento genuínos houve uso da emoção. Certamente o que não ocorria era o uso do emocionalismo.
O conselho de Edwards é que não haja nem a rejeição e nem a valorização das emoções, mas sim a diferenciação, isso por que:
Por um lado, a existência de emoções religiosas em altíssimo grau não é necessariamente um sinal de fanatismo... E por outro lado, o fato de nossas emoções serem fortes e vivas não prova que seja verdadeiramente espiritual em sua natureza. (EDWARDS, 1993 p. 26)
b.      Forte ênfase nos dons, especialmente os estáticos.
 Desde 1950 se apregoa que o Brasil esteja vivendo um avivamento. Em alguns momentos esse avivamento é reconhecido como movimento de renovação espiritual.
Esse avivamento sofreu influências de várias avivalistas, tais como, J. Edwin Orr, Raymond Boatright, Roy Hession, que visitaram o Brasil nas décadas de 50 e 60. O que esses pregadores do avivamento trouxeram em comum foi a mensagem do batismo com o Espírito Santo como uma segunda experiência e a manifestação dos dons espirituais.
O movimento de avivamento no Brasil é calçado no “entendimento de que Deus teria visitado a igreja brasileira na década de 60, batizando com o Espírito Santo e renovando os dons carismáticos.” (MATTOS, 2006, p. 22).
O que vemos hoje é exatamente o reflexo dessa raiz histórica. A ideia que se propaga nas igrejas, especialmente no ala pentecostal, é que a manifestação do Espírito só é real e vivificadora se houver o batismo seguido do falar em outras línguas e a manifestação de dons, especialmente cura, milagres e revelação.
c.       Forte ênfase na experiência religiosa
Por vezes estamos tão ocupados e comprometidos com as atividades do reino que nos esquecemos de viver de acordo com o reino. Existe um pensamento de que quanto mais alguém esteja envolvido com a obra de Deus, mais espiritual essa pessoa é.
“A experiência espiritual não pode fornecer nenhuma base para instrução, pois tal experiência repousa sobre o que se passou em nossa própria alma.” (KUYPER, 2010, p. 44). Essa tendência que encontramos é vista com muita frequência e ela assume o papel de escritura. O valor da experiência é equiparado e em alguns casos sobrepõe o valor normativo da Palavra de Deus. É nesse sentido que a advertência de Kuyper deveria ser ouvida ainda em nossos dias, pois segundo ele;
 “Em decorrência disto, a experiência humana pode ser ouvida, atestando o que os lábios confessaram, até mesmo dando uma passada de olhos nos abençoados ministérios do Espírito, que são indizíveis, e dos quais as Escrituras, portanto não falam. Mas não podemos basear nela (experiência) para dar instrução a outros” (KUYPER, 2010, p. 44)

c-      Definições de avivamento
Avivamento é um conceito de difícil definição. Para Héber Campos (1996, p. 45) “uma definição de reavivamento pode ter muitas conotações, dependendo do ângulo abordado”.  Seguramente a melhor maneira de abrangermos esse conceito é a partir da compreensão dos termos usados na Escritura, que certamente nos lançará luzes sobre esse conceito.
·         O uso do termo “avivamento” no Antigo Testamento
O verbo hyh num sentido geral é traduzido como “sustentar a vida” ou “estar vivo”. Quando usado no piel o verbo ganha intensidade, passa a ter uma ação ativa. Por 55 vezes o verbo é usado nesse tempo, dando assim ao avivamento a indicação de uma obra ativa de Deus em trazer, manter e sustentar a vida. No contexto de Habacuque o verbo hyh, ganha essa dimensão. Ao ver a realidade eminente do juízo de Deus sobre Israel, o profeta ora para que Deus “avive” a sua obra. O avivamento, portanto implica em Deus purificar, livrar e corrigir o seu povo. Lloyd-Jones (1995, p. 35) destaca que na história dos avivamentos se percebe claramente a ação de Deus purificando a igreja e retirando dela a escória do pecado. O avivamento é sinônimo de santificação operada por Deus quando o seu povo está imerso em pecados.
Num primeiro momento o avivamento é exclusivo da igreja, mas seus efeitos transcendem o povo de Deus. O não cristão receberá os efeitos e as consequências do despertamento do povo de Deus.  Héber Campos (...) define o reavivamento como “o movimento de Deus no meio do seu povo, mas que tem um impacto extremamente positivo na comunidade onde o povo de Deus vive”.
Compreendido dessa maneira o avivamento é algo que parte de Deus. O homem não pode provocá-lo, ao cristão cabe desejá-lo, nunca promovê-lo. Além disso, fica pressuposto que o avivamento é uma ação que é restrita ao povo de Deus. Ninguém pode ser renovado naquilo que não possuiu antes. Assim entende Lloyd-Jones:
É uma experiência na vida da Igreja quando o Espírito Santo realiza uma obra incomum. Ele a realiza, primeiramente, entre os membros da Igreja: é um reviver dos crentes. Não se pode reviver algo que nunca teve vida; assim, por definição, o avivamento é primeiramente uma vivificação, um revigoramento, um despertamento de membros de igreja que se acham letárgicos, dormentes, quase moribundos. (LLOYD-JONES, 1993, p. 15-6)

·         O uso do termo “avivamento” no Novo Testamento
Três palavras em especial são usadas no Novo Testamento para descrever o avivamento. A primeira é anazōpureō, que aparece apenas uma vez no Novo Testamento, em 2 Timóteo 1.6, mas encontramos na LXX o uso dessa palavra em Genesis 45.27, com o sentido de reavivar o coração. Nesse texto Jacó tem o seu espírito reanimado quando recebe notícias de José. Em ambos os textos o verbo anazōpureō, é usado em contraste com um estado anterior de desânimo ou de medo.
Paulo está aconselhando Timóteo a reviver seu espírito ante as dificuldades que o ministério impunha. Não se pode com isso supor que Timóteo tenha deixado extinguir o Espírito. A ideia parece ser, como alega John Stott (1989, p. 21), é “atiçar o fogo interior”. O avivamento no Novo Testamento tem essa relação com o poder do Espírito de conservar ativo o dom, assoprando a brasa que ainda não se apagou, mas que se não for energizada poderá perder seu fulgor.
A segunda palavra no Novo Testamento que descreve o avivamento é anathallō. (Filipenses 4.10). Essa é uma palavra que Paulo tira da natureza. O verbo descreve a planta que brota,  que floresce novamente.
A terceira palavra utilizada no Novo Testamento é zōopoieō, cujo significado é “vivificar”.  Esse conceito advém do Antigo Testamento. Os salmos exploram com abundancia esse tema.
Avivamento é uma ação de Deus por meio do seu Espírito para vivificar sua igreja, despertando-a da apatia que o pecado produz, de forma que sua vida se torne instrumento na propagação de Sua glória. Por meio do avivamento Deus revitaliza a vida que um dia existiu em sua igreja.


Bibliografia

BRUNER, F. D. Teologia do Espírito Santo. 2a ed. São Paulo - SP: Editora Vida Nova, 1986.
CALVINO, J. Romanos. 2a Edição ed.São Paulo - SP: Edições Parakletos, 2001.
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