quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Espírito Santo e o avivamento: uma tentativa de compreender o movimento avivalista brasileiro (parte I)

Introdução

Vivemos a constante expectativa de um grande avivamento na igreja brasileira. Há décadas vem sendo apregoado que Deus tem prometido um grande despertamento espiritual para o Brasil. No meio pentecostal é comum ouvir “promessas” baseadas em “revelações” de que Deus irá trazer ao Brasil um “mover” do Espírito de maneira especial.
Nas últimas décadas a igreja brasileira foi varrida por vários movimentos que garantiam ser o grande avivamento prometido por Deus. Alguns desses movimentos se mostraram mais danosos e prejudiciais para a igreja do que abençoadores. Esses movimentos espirituais trouxeram heresias, divisões, frustrações, desilusões, o descrédito na igreja e o consequente enfraquecimento da fé.
Muitos desses movimentos de espiritualidade se basearam em estratégias que “deram certo” em outros lugares e que foram “importados” sem nenhuma avaliação de seu teor. Essa despreocupação com o conteúdo teológico é retrado de uma realidade que atesta para a falta de legitimidade bíblica de tais movimentos. Não se pode conceber a ideia de um movimento espiritual baseado em experiências pessoais, mesmo que inicialmente essas experiências sejam verdadeiras. Certamente a Escritura é o único guia confiável que temos para nos assegurar um verdadeiro movimento espiritual. “Somente as Escrituras são o nosso guia infalível para o crente e a prática religiosa.”(EDWARDS, 1993)
Jonathan Edwards é preciso ao nos alertar de que não podemos lançar dúvidas acerca de ações de Deus, apenas por que não somos acostumados com essas maneiras de Deus agir. Isso por que Deus, “já agiu de formas novas e extraordinárias” (EDWARDS, 1993, p. 3). Contudo, o normal é que Deus se mova dentro das regras que Ele mesmo estabeleceu.
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise da relação do Espírito Santo com o avivamento. É uma tentativa de compreender essa ação do Espírito que é extraordinária, mas nem por isso pode ser entendida como improvisada. Entendemos que a Escritura nos oferece um parâmetro, que nos permite reconhecer um avivamento como um movimento espiritual que vem da parte de Deus, nos habilitando a reconhecer quando um movimento é apenas isso, um movimento.
a-      O contexto de um Avivamento
O avivamento é necessário quando condições de morte se evidenciam. O ambiente propício ao avivamento é o de sequidão. As condições ideias para o avivamento são a insatisfação com a realidade espiritual tanto no nível individual quanto coletivo, e o desejo de reaproximação de Deus. Isso significa que o avivamento não ocorre por acaso, mas ele depende de um conjunto de fatores e circunstâncias. Por exemplo, “os avivamentos do séc. XVI e XVIII vieram a uma igreja moribunda, decadente e apostata, enquanto que aqueles do séc. XVII e XIX aconteceram numa igreja sonolenta, apática e indiferente” (EVANS, p. 02).
Este estado letárgico da igreja é caracterizado por uma tentativa de auto direção. São momentos em que a igreja procura dar “mais atenção a homens e métodos, o significado e importância da pessoa e operação do Espírito estão sendo gradativamente diminuídos.” (EVANS, p. 01) A nossa eclesiologia talvez seja o maior reflexo de nossa grande necessidade de avivamento. Quando nossa eclesiologia falha é por que de alguma maneira temos reduzido a importância e a relevância da pessoa e obra do Espírito.
Quando lemos o que se passava na igreja americana no período que antecedeu o grande avivamento no séc. XVII encontramos a clara evidência da maneira como a má eclesiologia interfere na saúde espiritual do povo de Deus.
 “O pano de fundo teológico do avivamento do séc. XVII é marcado por apostasia evidente, descaso com a participação na mesa do Senhor com membros inconversos  participando da ceia do Senhor, a necessidade de regeneração e fé salvadora não eram enfatizados e uma forte ênfase no antropocentrismo arminiano, além das influencias deístas, racionalistas e moralistas.”  (EVANS, pp. 03–4)

b-     O movimento avivalista brasileiro
Analisar o movimento avivalista brasileiro é uma tarefa de dimensões extremas. O que se pretende nessa etapa de nosso trabalho é levantar alguns eventos bem definidos do que acontece no meio das igrejas e que são comumente reconhecidos como sinais de avivamento.
O movimento de avivamento no meio evangélico brasileiro é em geral associado com as seguintes ênfases:
a.       Forte ênfase no Emocionalismo
O movimento de avivamento que presenciamos em igrejas no Brasil está muito associado ao emocionalismo. Encontramos em Lloyd-Jones uma definição bem sólida de emocionalismo, para ele:
“Emocionalismo é um estado e uma condição em que as emoções estão descontroladas. As emoções estão no controle. Estão numa espécie de êxtase. E se emocionalismo é ruim, muito pior é a tentativa deliberada de produzi-lo. Portanto, qualquer esforço que deliberadamente tenta estimular as emoções, seja através de cânticos, ou fórmulas, ou qualquer outra coisa, ou, como vemos nos povos primitivos, através de danças e coisas assim – tudo isso, naturalmente é condenado pelo Novo Testamento. Jogar com as emoções é errado. É algo que é condenado através da Bíblia toda. As emoções devem ser constatadas através da compreensão, através da mente, da verdade. E qualquer assalto direto sobre as emoções é, necessariamente falso e inevitavelmente resultará em problemas” (LLOYD-JONES, 1992, p. 79)
Emocionalismo é a perda do controle das emoções, uma ênfase no sentimentalismo, onde o que importa é o que se sente. A racionalidade passa a ser entendida como manifestação da carne. Alguém que expresse qualquer tipo de manifestação emocional será considerado cheio do Espírito.
De fato não podemos negar que a emoção faça parte de nossa manifestação de fé.  Jonathan Edwards (EDWARDS, 1993) ressalta a importância das emoções na verdadeira religião, para ele a religião que Deus requer de nós não pode ser sem brilho, sem vida, apática. A escritura nos exorta a sermos fervorosos de espírito. O problema está em tentar manipular as emoções. É um erro rejeitar as emoções espirituais como se não houvesse nada de sólido nelas. (EDWARDS, 1993)
O uso das emoções de forma correta aponta para o verdadeiro avivamento. Não podemos negar que nos movimentos de avivamento genuínos houve uso da emoção. Certamente o que não ocorria era o uso do emocionalismo.
O conselho de Edwards é que não haja nem a rejeição e nem a valorização das emoções, mas sim a diferenciação, isso por que:
Por um lado, a existência de emoções religiosas em altíssimo grau não é necessariamente um sinal de fanatismo... E por outro lado, o fato de nossas emoções serem fortes e vivas não prova que seja verdadeiramente espiritual em sua natureza. (EDWARDS, 1993 p. 26)
b.      Forte ênfase nos dons, especialmente os estáticos.
 Desde 1950 se apregoa que o Brasil esteja vivendo um avivamento. Em alguns momentos esse avivamento é reconhecido como movimento de renovação espiritual.
Esse avivamento sofreu influências de várias avivalistas, tais como, J. Edwin Orr, Raymond Boatright, Roy Hession, que visitaram o Brasil nas décadas de 50 e 60. O que esses pregadores do avivamento trouxeram em comum foi a mensagem do batismo com o Espírito Santo como uma segunda experiência e a manifestação dos dons espirituais.
O movimento de avivamento no Brasil é calçado no “entendimento de que Deus teria visitado a igreja brasileira na década de 60, batizando com o Espírito Santo e renovando os dons carismáticos.” (MATTOS, 2006, p. 22).
O que vemos hoje é exatamente o reflexo dessa raiz histórica. A ideia que se propaga nas igrejas, especialmente no ala pentecostal, é que a manifestação do Espírito só é real e vivificadora se houver o batismo seguido do falar em outras línguas e a manifestação de dons, especialmente cura, milagres e revelação.
c.       Forte ênfase na experiência religiosa
Por vezes estamos tão ocupados e comprometidos com as atividades do reino que nos esquecemos de viver de acordo com o reino. Existe um pensamento de que quanto mais alguém esteja envolvido com a obra de Deus, mais espiritual essa pessoa é.
“A experiência espiritual não pode fornecer nenhuma base para instrução, pois tal experiência repousa sobre o que se passou em nossa própria alma.” (KUYPER, 2010, p. 44). Essa tendência que encontramos é vista com muita frequência e ela assume o papel de escritura. O valor da experiência é equiparado e em alguns casos sobrepõe o valor normativo da Palavra de Deus. É nesse sentido que a advertência de Kuyper deveria ser ouvida ainda em nossos dias, pois segundo ele;
 “Em decorrência disto, a experiência humana pode ser ouvida, atestando o que os lábios confessaram, até mesmo dando uma passada de olhos nos abençoados ministérios do Espírito, que são indizíveis, e dos quais as Escrituras, portanto não falam. Mas não podemos basear nela (experiência) para dar instrução a outros” (KUYPER, 2010, p. 44)

c-      Definições de avivamento
Avivamento é um conceito de difícil definição. Para Héber Campos (1996, p. 45) “uma definição de reavivamento pode ter muitas conotações, dependendo do ângulo abordado”.  Seguramente a melhor maneira de abrangermos esse conceito é a partir da compreensão dos termos usados na Escritura, que certamente nos lançará luzes sobre esse conceito.
·         O uso do termo “avivamento” no Antigo Testamento
O verbo hyh num sentido geral é traduzido como “sustentar a vida” ou “estar vivo”. Quando usado no piel o verbo ganha intensidade, passa a ter uma ação ativa. Por 55 vezes o verbo é usado nesse tempo, dando assim ao avivamento a indicação de uma obra ativa de Deus em trazer, manter e sustentar a vida. No contexto de Habacuque o verbo hyh, ganha essa dimensão. Ao ver a realidade eminente do juízo de Deus sobre Israel, o profeta ora para que Deus “avive” a sua obra. O avivamento, portanto implica em Deus purificar, livrar e corrigir o seu povo. Lloyd-Jones (1995, p. 35) destaca que na história dos avivamentos se percebe claramente a ação de Deus purificando a igreja e retirando dela a escória do pecado. O avivamento é sinônimo de santificação operada por Deus quando o seu povo está imerso em pecados.
Num primeiro momento o avivamento é exclusivo da igreja, mas seus efeitos transcendem o povo de Deus. O não cristão receberá os efeitos e as consequências do despertamento do povo de Deus.  Héber Campos (...) define o reavivamento como “o movimento de Deus no meio do seu povo, mas que tem um impacto extremamente positivo na comunidade onde o povo de Deus vive”.
Compreendido dessa maneira o avivamento é algo que parte de Deus. O homem não pode provocá-lo, ao cristão cabe desejá-lo, nunca promovê-lo. Além disso, fica pressuposto que o avivamento é uma ação que é restrita ao povo de Deus. Ninguém pode ser renovado naquilo que não possuiu antes. Assim entende Lloyd-Jones:
É uma experiência na vida da Igreja quando o Espírito Santo realiza uma obra incomum. Ele a realiza, primeiramente, entre os membros da Igreja: é um reviver dos crentes. Não se pode reviver algo que nunca teve vida; assim, por definição, o avivamento é primeiramente uma vivificação, um revigoramento, um despertamento de membros de igreja que se acham letárgicos, dormentes, quase moribundos. (LLOYD-JONES, 1993, p. 15-6)

·         O uso do termo “avivamento” no Novo Testamento
Três palavras em especial são usadas no Novo Testamento para descrever o avivamento. A primeira é anazōpureō, que aparece apenas uma vez no Novo Testamento, em 2 Timóteo 1.6, mas encontramos na LXX o uso dessa palavra em Genesis 45.27, com o sentido de reavivar o coração. Nesse texto Jacó tem o seu espírito reanimado quando recebe notícias de José. Em ambos os textos o verbo anazōpureō, é usado em contraste com um estado anterior de desânimo ou de medo.
Paulo está aconselhando Timóteo a reviver seu espírito ante as dificuldades que o ministério impunha. Não se pode com isso supor que Timóteo tenha deixado extinguir o Espírito. A ideia parece ser, como alega John Stott (1989, p. 21), é “atiçar o fogo interior”. O avivamento no Novo Testamento tem essa relação com o poder do Espírito de conservar ativo o dom, assoprando a brasa que ainda não se apagou, mas que se não for energizada poderá perder seu fulgor.
A segunda palavra no Novo Testamento que descreve o avivamento é anathallō. (Filipenses 4.10). Essa é uma palavra que Paulo tira da natureza. O verbo descreve a planta que brota,  que floresce novamente.
A terceira palavra utilizada no Novo Testamento é zōopoieō, cujo significado é “vivificar”.  Esse conceito advém do Antigo Testamento. Os salmos exploram com abundancia esse tema.
Avivamento é uma ação de Deus por meio do seu Espírito para vivificar sua igreja, despertando-a da apatia que o pecado produz, de forma que sua vida se torne instrumento na propagação de Sua glória. Por meio do avivamento Deus revitaliza a vida que um dia existiu em sua igreja.


Bibliografia

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CALVINO, J. Romanos. 2a Edição ed.São Paulo - SP: Edições Parakletos, 2001.
CAMPOS, H. C. DE. Crescimento da Igreja: com reforma ou com reavivamento? Fides Reformata, v. Vol I, No1, 1996. São Paulo - SP.
EDWARDS, J. A genuína experiencia espiritual. 1a ed. São Paulo - SP: PES, 1993.
EVANS, E. Reavivamentos: Sua origem, progresso e realizações. São Paulo - SP: PES, .
KUYPER, A. A Obra do Espírito Santo. 1a ed. São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2010.
LLOYD-JONES, D. M. Avivamento. 1a ed. São Paulo - SP: PES, 1992.
LLOYD-JONES, D. M. Os Puritanos: suas origens e seus sucessores. São Paulo - SP: PES, 1993.
LLOYD-JONES, D. M. Estudos no livro de Habacuque. 5a ed. São Paulo - SP: Editora Vida, 1995.
MATTOS, L. R. F. DE. Jonathan Edwards e o avivamento brasileiro. 1a Edição ed.São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2006.
SHEDD, R. P. Avivamento e Renovação: em busca do poder transformador de Deus. São Paulo - SP: Shedd Publicações, 2004.
STOTT, J. R. W. A mensagem de 2 Timóteo. 3a ed. São Paulo - SP: ABU, 1989.

STOTT, J. R. W. A Mensagem de Romanos. 1a ed. São Paulo - SP: ABU, 2000.

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